Pe.Samuel Pereira Viana
Vinde Espírito Santo...
Irmãos e irmãs, iniciamos assim nossa reflexão, pois todas a vida da Igreja está e deve sempre estar permeada pela ação do Espírito Santo que na Igreja é como que a sua alma e na Ssma. Trindade, é o elo de comunhão entre o Pai e o Filho, totalmente voltado para um e outro; totalmente recebendo e doando o Amor do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai e, por ambos, sendo amado e amando-os. Ele é, pois, por apropriação, e é o que lhe constitui, total e perfeitissimamente o Dom do Amor em pessoa ou a Pessoa Amor no seio da Trindade Beatíssima.
Mas hoje, nossa atenção se volta não tanto para Ele, mas para a sua ação e somos levados a considerá-Lo não em Si, mas n’Ele, agindo na Igreja, Corpo de Cristo e em nós, membros vivos deste mesmo Corpo, onde Cristo é a Cabeça que, pela sua gloriosa Ascensão, do Céu constantemente nos atrai pelo Espírito derramado.
O Espírito Santo é o Amor no seio da Trindade Beatíssima. Isto significa que, pela sua própria natureza, ele é a Pessoa que brota da relação profunda de amor e natureza entre o Pai e o Filho. Sendo assim, a missão do Espírito Santo nos membros do Corpo de Cristo, a Igreja, é levar-nos ao interior mesmo da vida divina, gozando daquele amor que constitui a vida de Deus. Por isso o Espírito Santo é a Pessoa que não fala de Si, como nos revelou o Senhor, mas fala constantemente do Filho. Ele vem habitar em nós, não para ser adorado por si, mas na relação mesma entre o Pai e o Filho. Nosso Senhor assim rezou antes de partir de volta para junto do Pai: “Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim” (Jô 17, 23).
Deste modo, hoje o Senhor realiza o que prometera: enviar-nos outro Paráclito, isto é, outro que, vindo a nós, a Ele nos conduza e ao Pai.
Irmãos, o Espírito Santo-Amor, é aquele que não olha para si mesmo, mas voltado para o Pai e o Filho e que comunicado a nós, vem em nosso socorro para também nós sairmos de nós mesmos, nos impulsionando para Cristo e, nele, para Deus Pai.
Esta missão do Espírito Santo, mandado do Pai pelo Filho nos fazendo participar da vida de Deus, é pois, para que a vivamos entre nós como uma antecipação daquilo que viveremos no eterno abraço de Deus: uma comunhão de amor tal que, no dizer de São Paulo: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam ” (Coríntios 2,9). Assim, o Espírito Santo nos impulsiona a desejar o que Deus deseja para nós a tal ponto de nos fazer superar os nossos gostos e nossas ilusões sobre o que é melhor para nós.
Deus caritas est! Deus é Amor e, sendo Amor só quer o que realiza em nós sua própria vida e quer afastar de nós o que pode danificar seu plano de real amor.
O Amor de Deus, portanto, nos faz sair de um eu enfraquecido e dividido pelo pecado, para alcançar o nós, n’Ele - Amor, e nas nossas relações de tal modo a nos considerarmos perdidos para o “eu” no “nós” que realiza. Mas, numa relação de real amor, o perder-se é verdadeiramente encontrar-se, posto que o amado se encontra tal qual é na relação com o Divino Amante.
Assim, o Espírito que nos faz sair, nos leva também voltar ao nosso verdadeiro eu que se encontra confuso, enfraquecido e disperso pelo pecado. Deste modo é que podemos contemplar o evento de Pentecostes que estamos celebrando.
A antiga torre de Babel tem aqui sua total destruição. Lá os homens, por si mesmos queriam chegar ao céu, sem Deus! Aqui, eles se encontram aguardando a realização da promessa do Senhor, reunidos em oração com Maria, a Mãe de Jesus. São Lucas detalha o seu estado d’ânimo: estavam com medo! Medo que brota da dispersão, da ausência do Senhor. Mas eis que se realizam os sinais, reproduzindo, o que se dera no Sinai quando Moisés recebeu os Dez Mandamentos: “fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo”. Lá a Lei; aqui a graça do Amor. Lá a letra, aqui, doravante a vida a ser vivida em plena liberdade do Amor.
Neste senso é que, antes medrosos, agora intrépidos e valentes. Publicamente narram as maravilhas de Deus! E Pedro toma a palavra no primeiro ato de Magistério como Vigário de Cristo a anunciar a salvação pela fé, Batismo e Crisma, Sacramentos primeiros, pelo qual se é introduzido Igreja, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo, onde pela Eucaristia recebemos o Senhor. Eles nos fazem cristãos e testemunhas do Senhor com valentia!
E cada um entende em sua própria língua: eis o milagre que destrói finalmente o impulso de Babel presente nos homens quando querem afastar Deus. Lá a confusão das línguas, a dispersão e guerras pela face da Terra; aqui, apesar das variadas línguas e povos, uma só compreensão: as maravilhas de Deus, o único capaz de satisfazer o desejo humano daquilo que busca, tantas vezes às avessas: a felicidade! Esta somente possível em Deus e no Amor que Ele nos dá.
A variedade de línguas e povos que constituem a Igreja tem aqui o seu sentido: a Igreja é a não-Babel. Isto, porém não elimina as diferenças, mas as unifica no Amor. Por esta razão o Espírito Santo, como que em línguas de fogo, se divide. Esta divisão, entretanto, não o diminui mas o comunica variadamente. É a variedade dos dons do Espírito concedidos à Igreja para que ela seja edificada. Ninguém, portanto, pode dizer-se no Espírito Santo e com dons, se estes não conduzem à edificação da Igreja e ao bem comum de todos os filhos de Deus. É o que São Paulo recorda aos coríntios ao dizer: “Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito.” Todo batizado, pois é um carismático, o que significa dizer, é templo do Espírito e deve viver do Espírito que quer ser glorificado em Cristo e Cristo no amor ao Pai, numa vida de serviço e cooperação com todos os demais batizados.
Assim, caros irmãos, se o Espírito é aquele que, voltado para o Pai e para o Filho, habitando em nós, nos ensina também a amar-nos uns aos outros como o quis Cristo. O amor humano, por isso, como ensina São Tomás, é “o êxtase da alma para o amado”. É um sair de si ao encontro do outro; é um esquecer-se e perder-se para encontrar-se verdadeiramente na união entre o que ama e o que é amado. O único interesse de quem ama deve ser amar e, se há no amado amor, dele receber também amor. E para encontrar amor, devemos aprender de São João da Cruz: “Onde não há amor, põe amor e encontrarás amor”!
E, quanto a qualidade e natureza do amor, devemos sempre considerar se nos leva ou nos afasta de Deus. Em Deus, tudo e todos podemos amar e ser amados.
Da natureza do amor, os latinos nos legaram: “amor diffusivum sui”, o amor é difusivo por si, por sua própria natureza. Isto nos faz retornar ao evento de Pentecostes e ao Dom do Espírito que o Senhor concede aos Apóstolos, como ouvimos no Evangelho. Junto com o Espírito o dom de perdoar os pecados. O amor é unitivo e não dispersivo. Se algo fere a relação de amor com Deus, é sempre o Espírito a ser derramado sobre nós no Sacramento da Confissão para nos reconciliar com Deus e com a Igreja a quem ofendemos quando pecamos. Mas isto não é tudo. Como “amor, diffusivum sui”, amados, sempre reconciliados, somos chamados a considerar os versos do poeta Vinícius de Moraes, aplicados aqui com exclusão do que não se adéqua ao real amor: “De tudo ao meu amor serei atento/Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/Que mesmo em face do maior encanto/Dele se encante mais meu pensamento./Quero vivê-lo em cada vão momento/E em seu louvor hei de espalhar meu canto/E rir meu riso e derramar meu pranto/Ao seu pesar ou seu contentamento/ ...
Em louvor de Deus, pois, narremos também nós as maravilhas de Deus com a língua que nos dá o Espírito e que pode ser entendido por todos na edificação do Corpo de Cristo, a Igreja: o amor!!!
V.: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo!
T.: Como era no princípio agora e sempre, amém!
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